terça-feira, 21 de abril de 2015

O SUICÍDIO DO COPILOTO








O suicídio do copiloto: expressão do niilismo da cultura pós-moderna?                            por Leonardo Boff

O suicídio premeditado do copiloto Andreas Lubitz da Germanwings, levando consigo 149 pessoas, suscita várias interpretações. Havia seguramente um componente psicológico de depressão, associado ao medo de perder o posto de trabalho. Mas, para chegar a esta solução desesperada de, ao voluntariamente pôr fim a sua vida, levar consigo outros 149 pessoas, deve ter havido algo muito profundo e misterioso, que precisamos de alguma forma tentar decifrar.
Atualmente, este medo de perder o emprego e viver sob uma grave frustração por não poder nunca mais realizar o seu sonho, leva a não poucas pessoas à angústia; da angústia, à perda do sentido de vida; e esta perda, à vontade de morrer. A crise da geosociedade está fazendo surgir uma espécie de “Mal-estar na globalização” replicando o “Mal-estar na cultura” de Freud.
Por causa da crise, as empresas e seus gestores levam a competitividade até a um limite extremo, estipulam metas quase inalcançáveis, infundindo nos trabalhadores angústias, medo e, não raro, síndrome de pânico. Cobra-se tudo deles: entrega incondicional e plena disponibilidade, dilacerando sua subjetividade e destruindo as relações familiares. Estima-se que no Brasil cerca de 15 milhões de pessoas sofram este tipo de depressão, ligada às sobrecargas do trabalho.
A pesquisadora Margarida Barreto, médica especialista em saúde do trabalho, observou que no ano de 2010, numa pesquisa ouvindo 400 pessoas, cerca de um quarto delas tiveram ideias suicidas, por causa da excessiva cobrança no trabalho. Continua ela: “é preciso ver a tentativa de tirar a própria vida como uma grande denúncia das condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo nas últimas décadas”. Especialmente são afetados os bancários, trabalhadores do setor financeiro; um setor altamente especulativo e orientado para a maximização dos lucros.
Uma pesquisa de 2009, feita pelo professor Marcelo Augusto Finazzi Santos, da Universidade de Brasília, apurou que, entre 1996 e 2005, a cada 20 dias, um bancário se suicidava, por causa das pressões por metas, excesso de tarefas e pavor do desemprego.
A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de três mil pessoas se suicidam diariamente, muitas delas por causa da abusiva pressão do trabalho. O Le Monde Diplomatique de novembro de 2011 denunciou que entre os motivos das greves de outubro, na França, se achava também o protesto contra o acelerado ritmo de trabalho imposto pelas fábricas, causando nervosismo, irritabilidade e ansiedade. Relançou-se a frase de 1968 que rezava: “metrô, trabalho, cama”, atualizando-a agora como “metrô, trabalho, túmulo”. Quer dizer, doenças letais, ou o suicídio, como efeito da superexploração do processo produtivo, no estilo ultra acelerado norte-americano, introduzido na França.
Estimo que, no fundo de tudo, estamos face às aterradoras dimensões niilistas de nossa cultura pós-moderna. O termo, niilismo, surgiu em 1793 durante a Revolução Francesa por Anacharsis Cloots, um alemão-francês, e foi divulgado pelos anarquistas russos a partir de 1830 que diziam: “tudo está errado, por isso tudo tem que ser destruído e temos que recomeçar do zero”. Depois, Nietzsche retoma o tema do niilismo, aplicando-o ao cristianismo que, segundo ele, se opõe ao mundo da vida. No após guerra, em seu seminário sobre Nietzsche, Heidegger vai mais longe ao afirmar, creio que de forma exagerada, que todo o Ocidente é niilista porque esqueceu o Ser em favor do Ente. O ente, sempre finito, não pode preencher a busca de sentido do ser humano. Alexandre Marques Cabral dedicou dois volumes ao tema: “Niilismo e Hierofania: Nietzsche e Heidegger” (2015) e Clodovis Boff três volumes sobre a questão do Sentido e do Niilismo.
Em setores da pós-modernidade, o niilismo se transformou na doença difusa de nosso tempo, quer dizer, tudo é relativo e, no fundo, nada vale a pena; a vida é absurda; as grandes narrativas de sentido perderam seu valor; as relações sociais se liquidificaram e vigora um assustador vazio existencial.
Neste contexto, se retomam tradições niilistas da filosofia ocidental como o mito do fauno Sileno, citado por Aristóteles no seu Eudemo, que diz: “não nascer é melhor que nascer; e uma vez nascido, é melhor morrer o mais cedo possível”. Na própria Bíblia ressoam expressões niilistas, que nascem da percepção das tragédias da vida. Assim diz o Eclesiastes: “mais feliz é quem nem chegou a existir e não viu a iniquidade que se comete sob o sol” (4,3-4). O nosso Antero de Quental (+1860), num poema afirma: “Que sempre o mais pior é ter nascido”.
Suspeito que esse mal-estar generalizado na nossa cultura, contaminou a alma do copiloto Lubitz. Também pessoas que entram nas escolas e matam dezenas de estudantes, em vários países, e até entre nós, em 2011, no Rio, na escola Tasso da Silveira, quando um jovem matou mais de uma dezena de alunos, revelam o mesmo espírito niilista. Medo difuso, decepções e frustrações destruíram em Lubitz o horizonte de sentido da vida. Quis encontrar na morte o sentido que lhe foi negado na vida. Escolheu tragicamente o caminho do suicídio.
O suicídio pertence à tragédia humana que sempre nos acompanha. Por isso, cabe respeitar o caráter misterioso do suicídio. Talvez seja a busca desesperada de uma saída num mundo sem saída pessoal. Diante do mistério, calamos, pasmados e reverentes, por mais desastrosas que possam ser as consequências.
Recomendo o livro de Clodovis Boff “O livro do sentido”, vol. I de três, Paulus 2014
Fonte: https://mail.google.com/ 21/04/15








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